segunda-feira, 30 de março de 2020

Dia 15

Já passaram duas semanas desde que começou a quarentena na Casinha do Feital. A bem da verdade científica, já podíamos ir à nossa vida, tentar fazer umas férias no Algarve, ou ir tirar umas fotos com o cão à Torreira. Mas vamos continuar por casa, até porque isto não é mau de todo, e o tempo hoje não convida a grandes passeios. 

Ontem ainda fomos dar um passeio à Torreira, mas a GNR estava a bloquear os carros todos na Ponte da Varela a perguntar para onde ia a malta. Era uma fila que vinha até à rotunda do depósito da água. Parecia S. Paio em noite dos DAMA ou do Fernando Daniel. Ainda andamos pelo meio de becos e vielas, e fomos sair um bocado à frente dos pinheiros do Mancão. Mas voltamos pra casa, porque já eram quase cinco, e às seis começam uns bonecos no Baby TV que a miúda gosta de ver.

De qualquer forma, estamos a ficar com escassez de paciência para as parvoeiras uns dos outros. A nossa filha mais nova já nem nos fala como dantes. Parece que está à espera que a gente diga alguma coisa para começar logo a ranhosar. A minha Senhora já só me fala por monossílabos. Mas tirando isso está tudo bem. 

Decidi começar a fazer criação de frangos caseiros. Cerquei ali uma parte do quintal, para o cão deixar os bichos à vontade, e fui procurar um pito no Facebay - Murtosa. Ainda não encontrei, mas se alguém tiver pelo menos um pito que já não use, eu posso tentar tratar dele cá em casa. Com o tempo podemos até começar a receber encomendas para vender pito para fora, ao fim-de-semana, e podemos também fazer entregas de pito ao domicílio. Mas para já, é preciso arranjá-los, porque depois não falta tempo para criar o pito. Na quarentena não falta tempo. 

Esta noite vamos aproveitar para fazer uma coisa que não fazemos há muito tempo. Temos um resto de cachaço de atum que sobrou do almoço de ontem, por isso não precisamos de nos preocupar com jantar. Logo depois começa uma bela noite de karaoke, naturalmente com a entrada livre, limitada à capacidade higiénico-sanitária de duas pessoas adultas, uma criança e um cão. Já estou a afinar a voz para a Lusitana Paixão da Dulce Pontes. 

domingo, 29 de março de 2020

Dia 14

Hoje é Domingo, e ainda por cima mudou a hora. Andamos todos trocados.
Ao início da tarde calhou-me na rifa ir adormecer a minha mais nova. A miúda insistiu que eu contasse uma história. Não me lembrei de outra a não ser esta: 

Era uma vez, uma linda menina, que vivia com os seus dois irmãos numa bela aldeia. Um dia, porque era preciso manter o distanciamento social, decidiram construir cada um a sua casinha. Um deles, que era preguiçoso, fez uma casinha de palha, o outro fez de madeira e a menina fez uma casinha de tijolo. 
Foi então que veio um Lobo Mau de Espanha, e ameaçou soprar nas casinhas para as deitar abaixo, se não o deixassem entrar. Os 3 irmãos saíram a correr das suas casinhas e, muito indignada, a menina gritou para o lobo:
- Você pode parar com isso? Sabe muito bem que ao soprar pode expelir goticulas de saliva ou outras secreções, e sabemos lá se você está contaminado com o COVID... E como é que você passou a fronteira de Espanha? 
Ao ouvir aquelas palavras, o lobo fugiu num ápice e deixou o caminho livre para os 3 irmãozinhos fugirem. 
Queriam voltar a casa dos paizinhos, mas como não tinham a certeza do caminho foram deixando migalhas de pão, para poderem voltar para trás quando se sentissem perdidos. Seguiam no seu passeio higiénico, mantendo a distância de 2 metros, para evitar contágios.
Entretanto foram abordados por uma patrulha da GNR que os alertou: 
- Vós já visteis que estais a largar migalhas de pão, sem terdes desinfetado devidamente as mãos? E se algum indivíduo apanhar as migalhas que vós largasteis e ficar infetado? 
Depressa os irmãozinhos deixaram aquele mau hábito de mexer na comida sem desinfetar as mãos. 
Estavam já perto de casa dos paizinhos, quando repararam numa pequena casinha escondida no bosque e decidiram espreitar. Na cozinha havia 7 pequenos bancos, de volta de uma mesa baixinha e no quarto, 7 pequenas caminhas. Estranharam ser tudo tão pequeno. Eis se não quando chega um autocarro sobrelotado, mas de onde sairam 7 anões, que voltavam do trabalho. Ficaram indignados porque não pode haver aglomerados de pessoas nesta altura, e estavam ali mais 3 pessoas que não tinham justificação plausível. Um dos anões espirrou e foi um ver se te avias. Fugiram todos, cada um numa direção diferente. 
A menina foi a primeira a chegar a casa e a mãe ordenou que imediatamente lavasse as mãos. Passou uns bons 2 minutos de volta da pia da louça até que a mãe lhe pediu que fosse a casa da avózinha levar um lanche reforçado de laranjas por causa da vitamina C.
Ela foi pelo caminho mais longo, porque já sabia que o mais curto era perigoso. Não encontrou ninguém de jeito pelo caminho, só um príncipe encantado muito triste que tinha sido proibido de beijar a bela adormecida, para evitar os contactos físicos.
Quando chegou a casa da avózinha, encontrou a velhinha deitada na cama, com os olhos muito grandes e uma boca ainda maior. Provavelmente estava a ficar doente. Mais rápido que um relâmpago entrou no quarto um caçador armado em parvo, que desatou aos gritos: 
- A menina sabe na alhada que pode está a incorrer ao visitar a sua avó perante as circunstâncias dos factos? As pessoas mais idosas devem evitar contactos desnecessários e eu estou encarregue de alimentar a sua avó, portanto ponha-se a andar. De facto, já ouvira falar que a avó tinha um companheiro, mas não sabia que era caçador.
Assim, muito triste, a menina isolou-se também. Subiu a uma torre bem alta e não saiu mais de lá. Nem para ir às compras. Mandava vir tudo pra casa por um pombo correio (com as vacinas em dia) e depois puxava tudo para o topo da torre com o seu longo cabelo, que deixou crescer, uma vez que não havia estabelecimentos abertos, inclusive as cabeleireiras. E assim viveu feliz para sempre, sem ter página no Facebook, nem conta no Netflix.

Vitória Vitória, acabou-se a história.


Dia 13

Estava eu já com a perna levantada para pular a cerca quando tocam à campainha. "Quem raio anda a tocar à campainha à meia noite?", pensei.
Levantei o auscultador e perguntei quem era. "Tem um minuto para falar sobre o Senhor?", ouvi do outro lado. "Qual Senhor?", perguntei. "O Todo Poderoso", responderam do outro lado.
Mas por alma de quem andam estas criaturas a esta hora a querer falar sobre o Luís Filipe Vieira? Foii o que me passou pela ideia. 
"Olhe, desculpe, mas isto não são horas pra falar seja sobre que assunto for, ainda por cima sobre o Orelhas...", e continuei a descompor as criaturas, que devem ter ido para casa com as orelhas a arder. 
Ainda voltei pra cama, mas já não me saíam as orelhas do Vieira da cabeça, e perdi a vontade de pular a cerca.

Acordei pela fresquinha e fui passear o cão até à Ribeira do Gago. Nunca o tinha feito, mas o cão pediu muito, e lá fomos. Ele começou a puxar por mim e quando dei por nós estávamos a chegar aos passadiços a norte da praia da Torreira. "E agora como é que a gente volta pra trás?" E o cão olhou para mim com ar arrependido como quem diz: "Estás à espera que responda? Os cães não falam..." Metemos pés ao caminho e lá voltamos. Já eram perto das seis horas quando chegamos. Ainda paramos na Ti Alcina, que estava fechada, mas perguntamos se podiamos levar um mata-bicho no take-away e ela lá deixou. 

Em casa o cenário estava tranquilo. A miúda tinha virado o sofá ao contrário e amarrou a mãe a uma perna da mesa. Dizia que era o pirata da perna de pau, com olho de vidro e cara de mau. Ameaçou soltar-me os cães se eu avançasse para dentro. Esqueceu-se que o único cão que temos estava comigo. 
Entrei sem medo, acabei com aquele circo e vai ficar de castigo por uns dias, até perceber quem realmente manda. E não vai haver biscoitos da Sofia para ninguém. 

Antes de ser amarrada à perna da mesa a minha Senhora esteve a fazer umas bolachas de chocolate. Deu-me a provar metade de uma bolacha e pediu-me a opinião. Estavam boas, mas estavam doces e a saber a chocolate e ela sabe como eu sou esquisito nessas coisas. Fui buscar uma inteira para provar melhor e ela: "Não comas mais. Podemos receber visitas e depois não temos nada para oferecer."
Visitas? Nesta altura? 
Em Quarentena não se recebem visitas, cachopa, e não é por falta de tempo. 

Tendo em conta o castigo, foi necessário aplicar medidas mais restritivas na Casinha do Feital. A televisão foi desligada e mais logo vamos para a cama mais cedo. E ainda não decidimos se vamos passar as férias da Páscoa fora. O Ministro já disse que vai estar atento a quem andar a passear na Páscoa, porque em período de Emergência não é para passear. Se ele estiver tão atento a isso como à malta que entra e sai de Ovar pelo meio da mata...estamos safos.

Dia 12

Esta noite passei várias horas em claro a pensar numa coisa: já pensaram se isto dura até ao S. Paio? É que a Páscoa e respetivas celebrações já não vão ser o que era, mas... Mais um ano sem fogo de artíficio? Este povo não aguenta tanto sacrifício. Eu até já parece que estou a ver a página do Facebook Torreira inundada por dezenas de posts e comentários jocosos e outros enganadores, mais uns bonequinhos...
Uns por um lado: "Ai mas no Furadouro vão fazer."
Outros por outro lado: "Oh menina, dentro da cerca santária eles fazem o que quiserem"
Não é fácil.

A meio da tarde fui esfregar a eira, com uma vassoura já meia descabelada que temos para esse efeito. Pus umas calças mais velhas, e uns sapatos que já andavam meio pintados, por alturas do carnaval. O cão não me largava, como de costume. Depois foi pro jardim, e começou a escavar, lá ao fundo, junto à regueira. Deixei-o estar. O pobre tem que se entreter com alguma coisa. Vai daí começo a ouvir as unhas dele a bater em qualquer coisa metálica. Fui lá e eram restos fósseis de um tacho. Ainda havia ossadas de enguias dentro do tacho. Provavelmente da idade média, do tempo em que havia enguias na regueira. Vou guardar. O tacho ainda há de dar jeito, para uma caldeirada de atum.

A minha Senhora deve ter feito alguma. Quando acordamos começou a abraçar-me a dar-me beijinhos no pescoço. "Olha aí, cuidado com o vírus", dizia eu com medo, claro está. Quanto mais eu alertava, mais ela me prendia com os braços. Eu bem que resisti, e ainda acenei com um desdobrável da DGS que lá tenho na mesa de cabeceira, mas qual quê... 
Depois estava a cozinhar uma salada de atum pró almoço e vem ela e agarra-me à falsa fé pelas costas, e enrola-me em papel higiénico. "Não gastes isso mal gasto", alertei eu.
Quando andava esfregar a eira, veio tirar-me a vassoura da mão e começa a puxar-me para dançar. "Que é que tu queres?" perguntava eu. "olha os 2 metros de distância higiénica. Não estão a ser respeitados". 
Isto não há fome que não dê em fartura. De qualquer das maneiras, mais logo pela noite, com mais tempo, vou tirar tudo a limpo. É que em quarentena às vezes parece que nos foge o tempo, e há que aproveitá-lo bem.

Estamos a pensar mandar vir comida de um teique au éi, porque não nos apetece cozinhar e eles prometem que cumprem todos os padrões de segurança e higiene. Só espero que eles tirem as luvas quando vão à casa de banho.
Já montei uma cerca sanitária na cama, por via das dúvidas. Cada um do seu lado, para guardar as distâncias sanitariamente aceites. O problema é que eu vou saltar a cerca.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Dia 11

Ontem a festa "Remember Bluesky" acabou por não acontecer. Mesmo antes de chegar o DJ, houve desacatos violentos e uma queixa anónima nas autoridades levou ao encerramento antecipado do recinto. Um indivíduo de fato roxo e bigode tentou invadir o recinto à força, mesmo após a insistência do porteiro para que abandonasse o espaço por manifesta incapacidade sanitária. Hoje dói-me uma canela de uma bordoada que um agente me mandou, quando fugia para o interior da habitação. Adiante...

De resto acordamos bem. Felizes, com o amor que sempre nos une. Estava eu a tratar do pequeno almoço e fui buscar água ao garrafão. Não estava na última porta do armário, como é ccostume. "Amor, sabes onde está o garrafão da agua?" perguntei. "Está na porta do costume." foi a resposta que ouvi. "Não vejo aqui nada." respondi docemente. "Queres que aí vá." gritou-me ela do outro lado. E dito isto, veio e abriu a porta ao lado da que é costume ter a água. "Ah, afinal não estava no sitio do costume." brinquei, e depois arrependi-me. Não sei se é dos nervos ou do que é, começou a discutir comigo...parecia que vinha a casa a baixo. Ainda tentei pôr água na fervura e só fiz pior. A certa altura ameaçava-me que ia buscar os papeis. Não percebi se eram do divórcio ou papéis higiénicos para me abafar lá no meio. Calei-me. Até me passou a sede. 
Ela vai, sai porta fora. Eu sabia que ela ia voltar, assim como assim, não podemos sair de casa sem motivo válido.

Hoje introduzi-me no teletrabalho. É bom. Uma pessoa está de pijama a tratar de coisas sérias e pode soltar uns gases sem ser necessário ir fazer um passeio higiénico. Não nos podemos esquecer de desligar o microfone das video chamadas antes. 
Melhor do que eu está o cão, que foi voluntariamente obrigado a tirar férias. Assim como assim, ele não costuma sair de casa.

Ouvi dizer que o virus do Corona não sobrevive no álcool. De imediato foi emitido alerta vermelho na Casinha do Feital. No que depender de mim, o bicho morre aqui. Venha ele do norte ou do sul, daqui não passa. Já estou a criar um grupo no FB para mobilizar uma equipa de mitigação. 
Isto ainda vai demorar algum tempo, mas na quarentena, não falta tempo.

Para fazer as pazes, esta noite teremos um jantar à luz das velas, também para poupar luz. Já pus duas latas de atum a marinar. Vai ser um manjar. Atum ao natural em cama de arroz.
Vamos sentar-nos cada um num topo da mesa para manter as devidas distâncias e a mesa é grande. Logo à noite dormimos juntos, que na cama o bicho não pega. E também..se correr o bicho pega e se ficar o bicho vai comer. Mais vale ficar. Fiquem...bem.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Dia 10

Alguém tem uma receita doméstica para fazer unhas de gel? A minha senhora passou-me as unhas pelas costas, mas como as unhas já estão meias lascadas arrancou-me uma peça de carne, do tamanho de uma bifana das pequenas. Menos mal que assim já temos jantar.
Ainda liguei a uma pessoa a ver se não tinha por lá um workshop em suspenso sobre unhas de gel, e que tivesse ficado guardado, à espera de melhores dias. Disse que não. Sobre decorações de natal, ainda arranjava alguma coisa. Mas agora não era o que me fazia falta, e agradeci a disponibilidade, mas fica para outra vez.

Passamos a manhã no Baby TV, como costume. Mas à tarde, lá negociamos outros canais. Depois de fortes e intensas negociações com a minha filha mais nova, lá acedemos. Diz que quer ir à viagem de finalistas a Lloret del Mar em 2037. Dissemos que sim... Pois, tá bem... Se ainda houver Lloret D.C. (depois do Corona). A miúda tem uma personalidade muito forte.

Hoje decidimos ir almoçar fora. E fomos à Figueira, que fica ali entre o limoeiro e os cedros, com vista para a regueira. Montamos lá uma mesa de piquenique e pusemos um guarda-sol que eu trouxe emprestado de uma esplanada numa noitada de S. Paio. 
Estamos fartos de atum e decidimos por unanimidade que era tempo de variar. Pus uma massa a cozer, para acompanhar com umas salsichas. Mas não foram dessas salsichas lingrinhas de lata, são das outras, mais rechonchudas dos frascos de vidro. Que repasto. Ainda havia Cacho Fresco, e eu bebi tudo. A minha Senhora agora não bebe, por causa da menina.

Ao final da tarde tivemos uma visita. Era uma senhora baixinha, com os óculos na ponta do nariz, aí com os seus 53, 58 anos. Vinha perguntar se queríamos fazer um teste ao Corona, por 35€. "Então mas a senhora tem autorização para andar na rua? Olhe lá o decreto do Governo..." questionamos. Mas ela vinha mesmo com vontade de nos fazer o teste. Tinhamos que soprar para uma palhinha, montada num aparelho que parecia um comando de televisão dos antigos. Como a gente (eu) tinha estado a malhar no Cacho Fresco, estavamos com o raciocínio um bocadinho embargado. Eu ia a pôr a boca na palhinha, e a minha Senhora trava-me com a mão: "Ouça lá, isso está desinfetado?" E eu aí, percebi a jogada. Ainda tinhamos a mangueira estendida na eira, a que trouxemos do Luisinho aquando da invasão, e bota a correr pela Rua do Feital fora, com a mangueira a malhar-lhe no lombo, da aldrabona. Ide burlar lá pró... calma que és hipertenso.
Isto realmente há gente com tempo para tudo. E tomara a nós que o tempo de quarentena passe rápido.

Esta noite vamos dar festa na Casinha do Feital, para animar a malta. "Remember Bluesky", é o tema e a entrada é livre, limitada à capacidade do espaço, que é de duas pessoas (a minha mais nova não participa porque é menor e o cão costuma deitar-se cedo).

terça-feira, 24 de março de 2020

Dia 9

A manhã acordou com um cheiro insuportável no quarto. "Cheira a gato morto", pensei. Fui mudar a fralda da miúda. Estava sequinha. Deixei-a na sala e fui tomar o pequeno-almoço. Estava calor e abri a janela. A minha Senhora juntou-se a mim, mas foi fechar a janela, por causa das moscas. Encostou a cabeça no meu ombro, e com aquela voz rouca de quem acaba de acordar disse-me ao ouvido: Cheiras a gato morto. E realmente cheirava. Ela não podia gozar muito, porque o cheiro dela não era melhor. Fomos tomar banho (separados) e abolimos a poupança de água e gás.

Hoje foi dia de ir às compras, faltava leite e pão, e mais umas latas de atum, não fosse vir por aí dias piores. Papel higiénico ainda há. Vesti um fato de macaco, uma máscara de soldar nas trombas e luvas, e lá fui. Na fila do supermercado estavam duas senhoras de meia idade e um senhor que manqueja de uma perna. O senhor tinha prioridade, mas as senhoras não gostaram e puseram-se a praguejar. Vem lá de dentro a Sueli e acerta-lhe com duas embalagens de rissóis congelados nas trombas, de cada uma, respetivamente. Parecia que andava a guardar os rissóis para aquele momento. E acabou a discussão. A Sueli voltou para dentro satisfeita, não sem antes chegar à minha beira, com 2 metros de afastamento, e entregou-me uma latinha de atum: "para que não te falte nada", disse baixinho. Obrigado Sueli. Eu aproveitei e fiquei também com os rissóis. Paguei à saída.

Lá dentro o ambiente estava pesado. Os gatos já tinham sido requisitados civilmente para efetuar serviço socialmente necessário. Um controlava as entradas e outro ensacava as compras. Como o vírus não ataca os bichos, achei boa ideia. A Maria já tem a voz rouca de tanto gritar com os velhinhos que vêm depois da hora legal. Faz lembrar o Pai Natal que costuma estar por lá nas vésperas do Natal.

Aviei-me o mais depressa que pude e voltei a casa, também o mais depressa que pude. Pelo caminho ainda passei pela Elisabete que ia arejar as flores à loja e fazer um arranjo, talvez. Levantei-lhe a mão, mas ela não me viu. Se estiveres a ver isto, era eu.

Em casa encontrei o costume. Fui à caixa de correio e tinha uma carta das Finanças. Era SPAM, foi pró lixo imediatamente. Entretanto liguei ao responsável do executivo municipal por causa da recolha do lixo. Queria ver se podiam vir buscar-me o lixo dentro de casa, para evitar grandes deslocações ao exterior. Começou a explicar-me que não podia, tomara eles que não faltasse pessoal para recolher o lixo dos contentores, quanto mais dentro de casa. Realmente...quando as pessoas não querem...

Pra mudar a ementa diária, pus um bocadinho de óleo a aquecer, para fritar os rissóis. Olhei melhor para a embalagem e dizia: rissóis de atum. Ora porra. De qualquer forma trouxe uma garrafinha de Cacho Fresco, que no fundo vai saber a Moet Chandon, dado que já não se bebe álcool há muito tempo no Feital.
Mas a verdade é que o tempo é coisa que passa rápido nesta quarentena.

Já escolhemos o que fazer no serão de hoje. Vamos jogar à sueca. Eu e o cão, e a minha Senhora com a minha filha mais nova. O cão percebe do jogo. Põe-se a piscar o olho quando tem trunfos altos. Mas também pisca o olho quando a orelha lhe cai para a frente e eu fico desorientado.